Contextualizando
O telefone móvel, ou celular, foi lançado
em 1973, em Nova Iorque. Na época ele era gigantesco, pesava o
equivalente a dúzias de celulares modernos e tinha uma área de
abrangência muito restrita, além de ser analógico (*1) e não digital
(*2).
Somente uma década mais tarde, em 1983,
chegaria ao mercado o primeiro modelo comercialmente viável, o DynaTAC
8000x, da Motorola, pesando apenas 794,16 gramas.
Você pode encontrar um pouco da história dos celulares nos links sugeridos no final deste artigo.
O meu primeiro celular, foi um
“tijolinho” da Motorola que inaugurou a linha de microcelulares, o
Microtac. Na época (década de 90) ele custava caríssimo e só funcionava
em uns poucos lugares “iluminados”, pois a maior parte do país ainda era
uma área de sombra (*3) para a telefonia móvel incipiente de então.

Meu primeiro celular foi um Motorola Microtac. O mais leve da categoria em sua época, pesando apenas 290 gramas!
Confesso que na época eu mesmo não via
nenhuma outra utilidade no telefone celular que não fosse a de poder
falar de diferentes lugares com um mesmo telefone. O celular era então apenas um telefone e somente adultos dispostos a investirem uma quantia razoável, e que tivessem uma boa razão para tal, se dispunham a comprá-lo.
Hoje em dia o telefone celular é um dos aparatos tecnológicos mais comuns. Segundo pesquisa
do Núcleo Gestor da Internet no Brasil, em 2008 52% da população do
Brasil já possuía telefone celular. Nos grandes centros urbanos já é
quase impossível encontrar alguém com mais de 14 anos que não tenha um
telefone celular.
Os telefones celulares atuais são
pequenos, leves, tem baterias duradouras, funcionam em quase todos os
lugares e há muito deixaram de exercer apenas a função de telefone. Hoje em dia os telefones celulares são verdadeiras centrais multimídias computadorizadas
(*4) onde se pode telefonar (Sim! Os telefones celulares ainda servem
para telefonar!), ouvir rádio, mp3, assistir TV, tirar fotos, fazer
filmes, gravar voz, jogar videogame, mandar e receber e-mails ou
arquivos e acessar a Internet, dentre outras muitas funções.
E é justamente por serem centrais
multimídias computadorizadas que os telefones celulares deixaram de ser
apenas telefones e passaram a ter múltiplas finalidades. E é claro que
entre os muitos usos que podemos fazer deles, alguns também podem ser
pedagógicos!
Desfazendo alguns mitos
Antes de propor usos pedagógicos para o
telefone móvel celular atual é preciso desfazer alguns mitos sobre a
presença do celular na escola e o principal deles é o que diz que o
telefone celular é desnecessário na escola e, além disso, atrapalha o
andamento das aulas.
Alguns professores se queixam que os
telefones celulares distraem os alunos. É verdade. Mas antes dos
telefones celulares eles também se distraiam. A única diferença é que se
distraiam com outras coisas; como aliás, continuam fazendo nas escolas
onde os telefones celulares foram proibidos. O que causa a distração nos
alunos é o desinteresse pela aula e não a existência pura e simples de
um telefone celular. Exemplo claro disso é que em muitas escolas e em
muitas aulas os alunos não se distraem com seus celulares, apesar de
estarem com eles em suas mochilas, nos bolsos ou mesmo sobre as
carteiras.
Alguns afirmam que os alunos usam
celulares para colar. Bom, é provável que sim. Alunos colam sempre que
estão diante de provas e atividades que permitam ou estimulem a cola.
Essas provas e atividades são geralmente pobres e requerem apenas uma
resposta “decorada” ou que se assinalem alternativas, coloque-se
verdadeiro ou falso ou se forneça um número como resposta. Nesses casos
colar é a solução mais inteligente como resposta a uma avaliação pouco
inteligente. Em avaliações onde o aluno precisa pensar, construir
respostas próprias ou realizar “ações”, praticamente não há como colar,
nem com celular, nem sem celular. Além disso, como todo professor sabe
muito bem, a “tecnologia da cola” é muito anterior à do celular.
Há quem diga que os alunos usam os
telefones celulares para, propositalmente “zoarem” nas aulas, com o
professor ou com os colegas. É verdade! E eles também zoariam nessas
mesmas aulas sem os celulares: jogando aviõezinhos, bolinhas de papel,
fazendo piadinhas e outras milhares de traquinagens possíveis. Não é o
celular que incentiva o aluno à indisciplina e sim o desejo dele de
confrontar o professor. A solução para esses casos não tem nenhuma
relação com o telefone celular, assim como não tem nenhuma relação com
os aviõzinhos de papel (ou também proibiremos os alunos de trazerem
cadernos na escola porque eles tiram folhas e fazem aviõzinhos de
papel?).
Assim como se argumenta que a Internet
permite que os alunos tenham acesso a materiais impróprios e façam uso
indevido dela, também há quem diga que os telefones celulares permitem
uma série de “violações” às regras e normas éticas e morais. Na verdade
também nunca foi preciso ter telefone celular para violar essas regras e
a escola serve, entre outras coisas, para ajudar na formação ética e
moral de seus alunos, e isso não se faz com imposição, omissão ou
simples proibição. Ética e valores são conteúdos transdiciplinares que
devem estar presentes sempre, inclusive ao lidarmos com as novas
tecnologias.
Também se argumenta que é constrangedor
para os alunos que não têm celular conviverem com outros que os têm.
Provavelmente também seja verdade, mas também é igualmente verdadeiro
para os tênis que eles usam, para a calça jeans, para o caderno de capa
dura, para o estojo, para o relógio, etc., etc. Na escola temos que
aprender, todos nós, a conviver com as diferenças e compreender a
realidade que as produz. Não podemos simplesmente decretar que todos
usem as mesmas roupas (apesar da exigência de uniformes em algumas
escolas), que tenham os mesmos materiais escolares, que façam uso do
mesmo vocabulário, dos mesmos brinquedos e principalmente, que tenham as
mesmas idéias.
Enfim, todos os argumentos que costumo ouvir defendendo a proibição dos celulares nas escolas são argumentos pouco refletidos, onde os problemas reais que são apontados dizem respeito à forma de gestão de aula
do professor ou a maneira como a própria escola idealiza o aluno e não
ao aparelho de telefone celular propriamente dito. Antes do telefone
celular esses mesmos argumentos eram usados para proibir o walkman, o
baralho de cartas, os jogos de tabuleiro, as revistas, o rádio de
pilhas, a calculadora, etc. etc. Na verdade às vezes eu tenho a
impressão de que alguns professores gostariam que seus alunos ficassem
nus, amarrados às carteiras e com uma mordaça na boca.
Além desses todos, também há um argumento bastante recorrente para justificar a proibição dos celulares na escola: eles não ajudam o professor em nada, então para que permiti-los? Vamos refletir um pouco mais sobre isso?
- Você, professor, já usou um rádio, rádio-gravador ou um aparelho de reproduzir sons em sala de aula?
- Já usou alguma vez uma calculadora, em alguma aula?
- Já usou uma TV, um videocassete ou um DVD em alguma atividade?
- Já manteve contato com os alunos por e-mail, pela Internet ou por outro dispositivo que permita comunicação à distância?
- Já fez alguma atividade onde fosse necessário tirar fotos ou gravar um filme?
- Já propôs alguma entrevista que fosse gravada e depois transcrita?
- Já usou jogos eletrônicos (videogames) com seus alunos?
- Costuma comunicar datas de provas e de entregas de trabalho para seus alunos e pede que eles anotem?
- Já pediu alguma vez aos seus alunos que copiassem suas anotações feitas na lousa?
- Já lhes disse alguma vez: “Preste muita atenção na explicação que vou dar agora!” ou algo semelhante a isso?
- Já consultou a hora para saber quanto falta para o término da aula ou já usou um cronômetro para lhe avisar quando faltarem cinco minutos para o final da sua aula?
Bom, se você já fez pelo menos uma das
atividades ou ações descritas acima, então saiba que ela poderia ter
sido feita de forma equivalente com o uso de telefones celulares
modernos e, não raro, de forma até bem mais eficaz!
Usando o celular na escola
Vou contar uma breve historinha:
O MEC envia livros para as escolas, mas
nem sempre há livros para todos. Em 2009 deparei-me com uma situação
destas, em que uma classe ficou sem livros e foi necessário então
compartilhar os livros entre duas classes. Porém isso impedia os alunos
de levarem os livros para casa para poderem estudar… O que fazer?
Em outros tempos eu pediria aos alunos
que copiassem as partes mais importantes do livro usadas em cada aula e
diríamos que isso era a “matéria para ser estudada”. Isso demanda muito
tempo de aula gasto inutilmente, pois não temos esse tempo disponível,
temos? Além disso, a menos que o objetivo da aula seja treinar
caligrafia ou chatear os alunos, fazer cópias de livros e mesmo da lousa
é algo realmente “inútil”. Também existe a possibilidade de
fotocopiarmos algumas páginas, mas isso tem um custo com o qual poucas
escolas públicas podem arcar.
Mas não precisamos mais fazer nada disso.
Agora basta pedir aos alunos que peguem seus celulares e FOTOGRAFEM as
páginas importantes do livro! E foi justamente isso que os alunos
fizeram.
O mesmo vale para a lousa e mesmo para as
pesquisas bibliográficas na biblioteca. Quando algum aluno me pergunta
hoje em dia se precisa copiar minhas anotações da lousa, eu logo lhe
recomendo que faça algo mais inteligente: fotografe a lousa! E eles fazem!
Essa brevíssima historinha, que é apenas
uma dentre muitas, já me permite então listar algumas sugestões para o
uso pedagógico dos telefones móveis celulares modernos em sala de aula e
fora dela:
- Se você em algum momento faz cálculos em suas aulas e solicita que os alunos os façam, e a menos que por alguma boa razão eles devam fazer esses cálculos com algoritmos específicos e usando papel e lápis, então considere fortemente a possibilidade de usar os celulares como calculadoras. Além disso, se você é professor de matemática e quer ensinar seus alunos como resolver expressões aritméticas obedecendo as regras de precedência de operadores, considere que o uso de calculadoras, e portanto celulares, consiste em um método bastante eficaz de fazê-lo, pois as máquinas seguem a ordem que nós determinamos para as operações; o telefone celular é uma calculadora também;
- Se você marca datas de provas, entregas de trabalho ou outras datas que considera importante que os alunos se lembrem, peça-lhes que anotem essas datas. Não no caderno, mas sim na agenda do celular! Eles andam com o celular no bolso o tempo todo e só estão perto do caderno quando estão na escola, confere? O telefone celular é uma agenda que tem até mecanismo de alerta;
- Já é possível criar um serviço de envio de mensagens de aviso por e-mail ou via torpedos. Pelo celular é possível receber atualizações de sites, blogs e até mesmo de mensagens do Twitter, bem como fazer o caminho oposto. Se quiser dar um passo adiante você pode criar um serviço desses e disponibilizar para seus alunos; o telefone celular também é um serviço de leitura de notícias e de publicação de notícias;
- Os celulares atuais gravam sons, imagens (fotos) e ambos (filmes). Todos esses recursos servem para “registro”. Permita, e mesmo incentive, que seus alunos fotografem sua lousa ao invés de copiá-la no caderno. Isso lhes permite prestar atenção em você, enquanto você fala e escreve, ao invés de repartirem a atenção entre o que você diz e o que eles estão copiando nos cadernos. O mesmo vale para as suas explicações importantes que podem ser gravadas como sons ou como filmes. Imagine o quanto é mais interessante para o aluno “assisti-lo” ou mesmo “ouvi-lo” na hora de estudar do que apenas conferir anotações, nem sempre fiéis, feitas nos cadernos! Use, você mesmo, esses recursos para registrar atividades feitas com os alunos; o telefone celular é uma câmera fotográfica digital, uma filmadora digital e um rádio-gravador digital;
- Proponha o uso dos celulares como ferramentas para os alunos desenvolverem seus trabalhos. Como foi dito acima, com o celular eles dispõem de gravador de voz, imagem e vídeo, muito embora eles mesmos não tenham o hábito de registrar suas atividades. Isso é o que chamamos de “making-off” das atividades e, ao fim e ao cabo, é esse o único registro que nos interessa e não o resultado final da atividade. Por exemplo, se eles têm que confeccionar uma maquete, porque não fotografar todas as etapas e depois transformar isso em um filme (animação) que pode ser incluído como parte da própria atividade? O telefone celular é uma ferramenta de registro, edição e publicação.
Há uma infinidade de possibilidades de
uso pedagógico dos telefones celulares modernos em sala de aula e fora
dela. Quais lhe interessam? Isso certamente depende da forma como você,
professor, usa a tecnologia para si mesmo, em suas aulas e com os seus
alunos. Quem não vê nenhum uso pedagógico para o rádio, a televisão, a
máquina fotográfica, a filmadora, o gravador, a calculadora, a agenda,
etc., então também não verá nenhuma utilidade para o celular, pois é
isso que ele representa hoje em dia: não é mais um simples telefone, o
celular é uma central de multimídia computadorizada.
À propósito, sempre foi muito comum a
falta de recursos tecnológicos nas escolas, principalmente nas escolas
públicas. Com o telefone celular passamos a ter muitos desses recursos
disponíveis não apenas pela escola, mas também pelos alunos! Isso
deveria ser comemorado, mesmo que não concordemos que os alunos prefiram
ganhar celulares dos seus pais do que enciclopédias, pois com os
celulares eles também ganham diversas possibilidades de aprendizagem que
antes não tinham porque a própria escola não dispunha desses recursos.
Isso é fascinante, não é?
Alguns cuidados finais
Porém, antes de sair por aí reformulando
todas as suas práticas e instituindo a obrigatoriedade do uso do
telefone celular na escola, tenha em mente que ainda temos muitos alunos
que não têm telefone celular ou que têm telefones celulares que não
dispõem de todos os recursos mencionados aqui. Além disso, em alguns
estados e municípios (e há uma lei tramitando com validade para o país
todo) o celular é proibido na escola. Portanto, é preciso sempre:
- propor atividades que envolvam o uso de celulares para grupos de alunos em que pelo menos um aluno do grupo disponha do celular com o recurso que será utilizado;
- permitir que os alunos aprendam a usar o recurso antes de propô-lo como parte de uma atividade. Geralmente os alunos dominam os celulares melhor do que seus professores e aprendem rápido a usá-lo, por isso é uma boa idéia “deixar que eles mesmos ensinem e aprendam a usar o recurso entre eles mesmos” (e aproveite para aprender também!);
- discutir as questões éticas e morais envolvidas no uso de imagens e registros, bem como o uso indevido dos celulares e de outros equipamentos de mídia;
- estabelecer claramente no planejamento da sua atividade, e descrever em detalhes no seu planejamento de aula, os objetivos do uso do celular nas atividades propostas. Haverá sempre alguém para se indignar com o fato do celular estar sendo usado na sua aula, infelizmente;
- e, por último, estabelecer claramente as regras de uso dos celulares na escola de maneira geral e, em particular, durante as aulas em que não estarão usando o celular “como parte da aula”, da mesma forma como estabelecemos as regras para o uso do baralho, dos jogos de tabuleiro, dos avioezinhos de papel e de todo o resto.
Veja que não é difícil negociar o que
pode e o que não pode, quando se deve e quando não se deve usar o
celular. Fazemos isso da mesma forma como estabelecemos outras regras de
convivência na escola. Os conflitos mais comuns que surgem nas salas de
aula devem-se justamente à falta de uma definição clara desses acordos e
da crença em pressupostos perigosos, como o de que o aluno “deve saber
naturalmente o que é certo e o que é errado”.
Também é importante discutir com os
alunos os limites éticos e morais do uso do celular, e de outros
instrumentos tecnológicos modernos, fora da escola. O celular é parte do
cotidiano deles e ensiná-los a usá-lo com sabedoria é também parte da
nossa tarefa como educadores. E esta é mais uma boa razão para usar os
celulares na escola como ferramentas pedagógicas, pois com isso somos
naturalmente levados ao contexto do seu uso responsável e podemos
desempenhar nosso papel de educadores de forma natural.
Glossário:
(*1) Sinal Analógico: sinal contínuo que varia com o tempo. A informação é transmitida por meio dessas variações.
(*2) Sinal Digital: sinal transmitido da forma de “zero” e “um”, ou seja, a informação é transmitida na forma binária.
(*3) Área de sombra: região onde os
telefones celulares não conseguem conexão com nenhuma torre de
transmissão e, portanto, não funcionam.
(*4) Central multimídia computadorizada:
este termo esta sendo usado aqui para descrever um aparato que
disponibiliza diversas mídias (texto, rádio, TC, etc.) de maneira
digital, isto é, controlada por um processador (computador).
Fonte: Blog professor Digital